quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A POESIA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA por Stella De Sanctis



A POESIA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA










STELLA DE SANCTIS
















Cumprir a solicitação da Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro é imensa satisfação e, embora os trabalhos dos confrades e confreiras já tenham dito absolutamente tudo sobre Poesia Contemporânea Brasileira, apenas teço algumas considerações de cunho geral e subjetivo, e limito-me a "reafirmar" alguns conceitos considerados extremamente pertinentes para o entendimento dos rumos da Poesia no início deste milênio tão eclético quanto conturbado.




A Poesia Contemporânea Brasileira emerge na tecnocracia atual como um "grito paradoxal" e "necessário", insinua-se, transpõe sufocamentos cibernéticos e "anacronismos sócio-político-filosóficos" de uma era complexa que tange "a fome de tudo" e "solidões aglomeradas": grita a verdade subjetiva e coletiva, valendo-se de livros, e-books, web-blogs, sites, saraus, transportes coletivos, rádio, televisão; grafitada em muros, portões, praças; escrita em lenços de papel e até tatuada na pele... Mas, ainda que a poesia se insinue, ainda vivemos num país onde é precária a formação de leitores e a cultura é desvalorizada.




Segundo definição de mestres e estudiosos, a Poesia apresenta-se como um "organismo vivo e mutante", onde a questão social é presente, refletindo um momento de transição, onde escrever o presente tange futuro e passado, carrega os prós e contras da globalização, onde Contemporaneidade e Pós-Modernidade ainda se entrelaçam nas diversas formas de produção de textos: esboço de um quadro que, continuamente, ganha novos matizes rumo à sua ampla identidade.




Mormente os travos da globalização, que frequentemente vulgarizam e empobrecem o vocabulário, desvalorizando identidades no processo linguístico cultural regional, gerando, muito frequentemente, um linguajar empobrecido, vemos, com grande esperança, o ressurgimento da poesia e diversos gêneros literários, como crônicas, prosas poéticas e outros, bem como o aumento de leitores proporcionado pela internet e as novas tecnologias. Mesmo que a internet exija o mínimo de letramento por parte do usuário, há que se admitir que seu acesso intensificou a produção e a leitura de textos variados. Em contrapartida e apesar dos meios de comunicação, do crescente aumento de pequenas e médias editoras e do impulso da autopublicação ou de edições em cooperativas, a divulgação do autor e sua obra ainda é árdua em um país com analfabetos e péssimos leitores, resultantes da má política educacional e insuficiente incentivo à cultura por parte do Estado.




Buscando novas formas de expressão, a partir de uma crítica apurada da realidade, criando formas inovadoras, a Poesia Contemporânea Brasileira classifica-se nas seguintes correntes de vanguarda ou grupos literários: Poesia Social, Poesia Concreta, Tropicalismo, Poesia-Práxis, Poesia-Processo, Poesia Realista, Poesia Surrealista, Poesia Imitativa, Poesia "Cíbrida" (contração de "híbrido e cibernético", com uso de design, arte e tecnologia), Poesia Marginal, etc... Apresenta uma espetacular capacidade de se comunicar com o leitor e provocá-lo, é permeável, dialoga sem preconceitos com o universo em que está inserida, espargindo o perfume da sensibilidade numa sociedade endurecida e carente de Arte: toma toda liberdade, enuncia tempos, amplia-se em sentido, transcende-se na dureza e/ou leveza de suas linhas, enfrenta segmentos ainda herméticos à pluralidade de vozes, é multifacetada, compreende aspectos metafísicos, extrapola o mundo fático.




Ritmo é importante na Poesia (na Grécia Antiga e na Idade Média as poesias eram cantadas) e nos dias de hoje pode-se abandonar rima e métrica na construção de textos poéticos mas "nunca se abre mão do ritmo". Na batida frenética do terceiro milênio, onde pululam constelações de poéticas excelentes, compondo uma verdadeira vitrine de luz, com nuances diversificadas que fazem da Poesia uma galáxia de cores, torna-se trabalho árduo - e, por que não dizer doloroso - escolher apenas três poetas, deste imenso luzido. Atrevo-me a destacar Lúcio Alves de Barros, de Belo Horizonte- MG, licenciado em Ciências Sociais pela UFJF, mestre em Sociologia e doutor em Ciências Humanas, autor do livro “Fordismo: Origens e metamorfoses” e organizador da obra “Mulher, política e sociedade”, dentre outros trabalhos não menos importantes. Segue seu poema "Jardins Suspensos" e a força de sua construção poética:










JARDINS SUSPENSOS










Jardins suspensos na noite calada que a lua teima a queimar




Uma flor ferida e sangrando está no meu peito




Quase não consigo respirar nesse ar seco




As costelas andam batendo uma na outra




E uma pequena taquicardia arrepia meu corpo










E essa lua cheia dela mesma




E ela cheia de si mesma




E eu cansado de mim mesmo










Minha saudade é uma lágrima que cai em fogo




Olhos de limão verde a arder na inquietude




Corpo cansado e amassado




Ferido e quebrantado no fim do dia que não desejo ver










E ela neste sorriso que rasga minha alma




Iluminando a rua, o corredor, a sala




Cheia dela e vazia de mim










Lúcio Alves de Barros
















Outro poeta que encanta em versos aparentemente simples, capazes de nos seduzir com poucas palavras, é Oswaldo Antônio Begiato, de Jundiaí-SP. Seus poemas "Dura Passagem" e "Cosedura" dão-nos a exatidão de sua bela poética:






















DURA PASSAGEM










A vida é feita de Sol;




Sol de boca pura,




Sol de pouca dura,




Banhada de manhãs;




Manhãs de fazer tremer.










A vida é feita de arames;




Alguns arames farpados,




Alguns arames esticados




E muitos outros bambos;




Bambos de fazer temer.










A vida é fila e a tristeza ilusão!




O resto é teatro.










COSEDURA










Olhem este dedal!




De dedos frágeis




e olhos penetrantes,




guarda uma aliança




e esconde um arroio.










Olhem esta agulha!




De linhas tênues




e força mulheril,




guarda um alinhavo




e esconde um palheiro.










Olhem estas mãos!




De dedos frágeis,




e de linhas tênues,




guardam uma vida




e escondem o amor.










Oswaldo Antônio Begiato










A alma feminina é versátil, a mulher desdobrável, como bem frisa Adélia Prado, e, dentre tantas guerreiras da vida e da palavra, ouso destacar a poeta e romancista Teresa Azevedo, pela sua resiliência e a força de suas trovas extremamente femininas, cheirando a pétalas de margaridas, plenas de alma e sentido. Teresa publicou “Caramelos Emaranhados, Poesia com Brandy, Peripécias de Poeta, Reflexos no espelho”, dentre outras obras, onde sua escrita surreal cativa o leitor, como estátuas de vento sobre pedras sonoras. Aqui destaco o poema "Masmorra", de notório encantamento.










MASMORRA










Escaravelho vermelho




Silhueta máscula




Casca e músculos




Cérebro desconexo




Íntimo miserável




Broche de rubi




Blusa de rendas




Pecados sob as saias




Altivez e castigo




Lembranças fugidias




Ostracismo cruel




Masmorras sombrias




Pesadelo




Distância




Solidão










Teresa Azevedo
















Embora o lirismo seja, na maioria das vezes, subjetivo, com predomínio de sentimentos e emoções, ele inunda a trama, extrapola-se, interpreta o leitor e seu contexto, apossa-se e é apossado, numa simbiótica jornada. Assume a missão de resgate do indivíduo e do coletivo, é atrevimento salvífico... Se o poeta, artífice de extremos, vaga em lumes, a perseguir luas sonâmbulas, na maioria das vezes, vaga pelas pontas das lâminas que retalham sonhos e tolhem liberdades, como a desafiar as traves que sangram e paralisam, a restaurar valores e direitos sufocados, induzir ou preparar novos caminhos: versando, o poeta amplia sua sina, sua senda, sua oferenda... E, para finalizar tais considerações sobre a força e magia poéticas, segue o lembrete, à guisa de um bom conselho, como bem versam Oswaldo Antônio Begiato e Manoel de Barros...










CUIDADO!










Não queira




a loucura de um poeta




entender .










Aquilo que loucura




parece ser




é lucidez,




e é loucura




aquilo que




lucidez parece ser...










Oswaldo Antônio Begiato










E aquele que não morou nunca em seus próprios abismos,




Nem andou em promiscuidade com seus fantasmas, não foi marcado.




Não será exposto às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema...










Manoel de Barros

3 comentários:

  1. Lucidez e loucura se confundem!! Mas a loucura do poeta é lucidez!!

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  2. Stella, foi um imenso prazer ler seu trabalho, digno da excelente poetisa que você é. Além da escrita clara, poética mas precisa, ele contêm conceitos e ensinamentos valiosos. Obrigada por compartilhar. Abraços.

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  3. Ótimo trabalho. Parabéns!!! Abraços

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