Amor que pergunta seu tempo
Para saber se perdura
Não sabe que a eternidade se acaba
No instante em que se inaugura.
Uso aqui os versos do poeta vivo Thiago de Mello, mas proponho que seja substituído o termo “eternidade” por “modernidade”, assim estaremos próximos ao conceito de pós-modernidade defendido, principalmente, por Habermas e que pode ser definido como a compreensão do momento presente, como continuação da modernidade.
Considero que visto dessa forma, o pós-moderno de hoje é o moderno da pós-modernidade que será amanhã, e assim repetindo-se até termos esgotado esse período, e podermos de forma derradeira defini-lo. Essa é a posição de Foucault: a ideia de que a época atual – a contemporaneidade – não é, por enquanto, algo passivo de definição, pois ainda não houve a ruptura com a modernidade e que, portanto, é cedo demais para se ter um resultado.
A contemporaneidade nos permite, então, explorar a arte e a linguagem, usando de elementos que constituem a pós-modernidade, como a descentralização do sujeito moderno, as ferramentas tecnológicas e a cultura global.
Ao usarmos esses elementos, identificamos não apenas o renascimento da poesia (a poesia era considerada uma arte moribunda), mas esse veio acompanhado de um crescimento na produção e publicação inimagináveis sem a internet e as redes sociais; o discurso poético tornou-se abrangente, instantâneo e plural, é erótico, religioso, holístico, apolítico, capitalista, humanista, ou simplesmente reflete em palavras uma imagem colhida na rede; os textos usam palavras e expressões multilíngues, elementos gráficos computadorizados, escreve-se de forma livre, um afastamento total do academicismo, mas em contradição: usa formas arcaicas como o soneto ou novas formas como o haicai, ambas definidas por regras estritas; mas principalmente se escreve pelo verso livre, explora-se o neoconcretismo, a prosa poética, não apenas à la Baudelaire, também há os versos em prosa que são frases repartidas, sem rimas, ajustadas à tela como enfeites virtuais.
Todavia, esse mesmo uso dos elementos da pós-modernidade enseja seus revezes, o discurso poético perde várias vezes sua conectividade com a arte, aquilo que foi denominado pelo ensaísta e romancista Milan Kundera como “misomusia”, o horror à musa, ao que é complexo, ao perene, os temas centrais são individualizados por indivíduos que nem sempre estão preparados para um legado. Tenho sempre recorrente um conceito de administração: tornou-se voga no mundo, no início dos anos 90 do século passado, a reengenharia, e foi amplamente aplicado aqui no Brasil, país que ainda não havia feito a engenharia. Na poesia pós-moderna vemos isso se repetir, há um frenesi em se desconstruir a linguagem – abolição de pontuação, períodos, maiúsculas, uso excessivo de neologismos, de metalinguagem – que deveriam acrescentar ao processo linguístico, porém muitas vezes são realizados por quem ainda não aprendeu a construir a língua, portanto não podem aventurar-se em desconstruí-las (o criador de Riobaldo e Diadorim é o grande exemplo do construtor com capacidade de desconstrução, ou o contrário).
A poesia enfrenta também a dificuldade do linguajar globalizado, padronizado e veiculado em todos os lugares, em que não há mais uma identidade nacional, e o poeta brasileiro ainda não domina esses novos meios, essa nova língua, as novas tecnologias, e escreve no velho revisado português, para os leitores de sua própria aldeia, restringindo seu alcance. Por outro lado, como o canal maior de expressão é a internet, e nessa, as redes sociais, os leitores não são mais apenas leitores, são parceiros, colaboradores, amigos, e assim não há espaço para a crítica literária, não aquela acadêmica, que buscava enquadrar o poema, mas a crítica que estabelece parâmetros entre o bom e o ruim, o novo e o reciclado, o perene e o descartável. Não se pode, nos comentários, senão dizer qualidades, que nem sempre o poema tem, sob o risco de se perder um amigo, ainda que virtual, um canal de divulgação, ou uma rede inteira de leitores por discordarem de sua má educação.
A poesia contemporânea não permite, pois, a não-poesia, porque para se afirmar que determinada poesia não é poesia, há de se usar o argumento de Parmênides, e antes reconhecê-la como poesia, única e indivisível.
Finalizarei, então, esse breve texto, reforçando, por meio de exemplos, a poesia contemporânea, àquela que sobreviverá à transição para a pós-modernidade.
Carlos Moraes
- do ranger da escada. o ranger reticente. uma escola
de pescoço no fosso que é seu rosto. sabe, que por
sobre os escombros você é mais charmoso? na cripta,
em brisas sem cabeças, em gretas e entre os azulejos
de sua pessoa escapada de um incêndio: - veja outra
alma vendida, prêmio, entre o muro funestamente
antigo, de um reboco lamego, molhado por pintas e
rosas e flores de onde se vê um jardim num silêncio
de mariposas e pequenos morcegos (Quiróptera) em
delírium tremens ... não morra ... são hematófagos ...
adriana zapparoli
ORGIA ÍNTIMA
não aprendi
a domar meus avessos
meus inteiros despedaçados
recolhidos no olho do tumulto
(setembro guarda memórias
sumidas no ar)
não costurei minh'alma
no escárnio nem cantarei
em coro de grilo
no mais
sou tranquilo
(poema inédito, lau siqueira)
SOBRE UM LIVRO
Ler à noite
nesse quarto
à meia voz
metade som
metade sopro –
emprestar vida
ao livro
antes morno
sem rumor
deixá-lo que use
minha voz
me surpreenda
a cada linha
de língua inglesa
até que desalinhe:
ondula, angula-se
dobra a curva
e desaparece.
Laura Liuzze
Seus olhos acenderam meu segredo.
A noite vinha vindo em mim.
Eu fiquei com uma caixa
De abelhas na virilha.
Mas, pensando bem,
Algo de açougue havia naquilo
(Cheiro de alma moída).
Olhei. Vi
Da flor florescida ali
Desabrochar um leite ruivo
Do cacto que me polia o hímen.
NANDA PRIETO
Carlos Moraes
Cadeira 65 ANLPPB
Muito bom, parabéns
ResponderExcluirMuito pertinentes e verdadeiras as considerações tecidas em seu texto, Carlos. Realmente, nas redes sociais não há espaço para críticas e, como você bem frisou, há aqueles que ainda não aprenderam a construir a língua. Mas sobra um saldo bastante positivo, que é exatamente o renascimento da Poesia. E, com o aumento do número de autores, bons ou não, está havendo também um expressivo aumento de leitores, o que fatalmente levará a um melhor conhecimento da língua materna. Parabéns pelo excelente trabalho.
ResponderExcluirParabéns pela laboriosa análise. Espero que relamente aumente o número de leitores e que venham novos escritores.
ResponderExcluirUm grande abraço
Belo trabalho Carlos Moraes! A forma como colocas a poesia disseminada na internet é corretíssima, tanto quanto a sua validade, qualidade, penetração, descontração e desconstrução. Nem sempre correta, concordo plenamente, mas acredito ser a forma mais explorada e usada hoje nas redes sociais. Todos somos poetas e filósofos. Como eu, milhares só escrevem pensares que trazem uma temática poética, a grande maioria poetiza ( com z mesmo) seus pensares. Brinca-se muito com as palavras. tenho descoberto "pérolas e porcos" e nos comentários isto não pode mesmo ser dito. Como dizes: "corre-se o risco de perder o amigo". Porém, acho muito válido estas tentativas de escrita pois estimulam as pessoas a não ficarem na pasmaceira de postarem só fotos do cachorrinho, do aniversário, da vovó...ou piadas idiotas. Acredito que as pessoas estão gostando mais de ler e assim começam a pensar em algo mais criativo para escreverem aos amigos virtuais. Esta relação da escrita poética nas redes parece estar em ebulição e a acho extremamente válida apesar dos erros e desacertos está a se construir uma metalinguagem muito interessante e nova com muito ainda a se falar sobre ela. Para ti, entendido no assunto, há um amplo campo para dissertar sobre o assunto.Gostei muito das tuas colocações. Andavas desaparecido...beijos, Claudia
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