I – INTRODUÇÃO:
“O diretor do também famoso “Amores Brutos” dá continuidade, no filme
“21 Gramas”, ao estilo Novo mas representativo de uma forma inusitada e
esteticamente definida nessa ambiência plural do mundo do cinema. Sua inclusão
nesta lista se justifica pela contemporaneidade dos temas trabalhados e pela
forma extremamente singular de tratar esses temas. O filme parece um
entrecruzar de estruturas de contos que se fragmentam, se esfacelam e ao mesmo
tempo, como se fosse por bricolagem, se remontam e se organizam de forma
harmônica no conjunto da obra. A morte, a questão do transplante, a questão do
aborto, a questão da droga e sobretudo a questão da carência do homem
contemporâneo formam o tricô dessa obra exemplar que paira o tempo todo numa
pergunta não respondida – o peso e o sentido da vida.” (www.fgvsp.com.br)
II – TÉCNICAS DE MONTAGEM:
O mexicano Alejandro Gonzáles, diretor do longa-metragem indicado ao
Oscar “Amores Brutos”, está de volta à cena com o drama “21 Gramas”, filme que
tece reflexões sobre a vida, a morte e a relação que os vivos têm com a morte.
O filme é falado em inglês e conta com Sean Penn, Naomi Watts e Benicio
Del Toro.
O estilo quebra-cabeças faz o espectador ficar em alerta desde a cena inicial,
com um misto espantoso de hiper-realismo, complexidade visual e temática
poderosa. Como é de seu feitio, Alejandro Gonzáles, amarra a história inserida
como um caleidoscópio, o que reforça o tempo do espírito, cheio de idas e
vindas, permanências (mais nas tragédias) e abandono (mais nas epifanias).
Realizado pela mesma dupla responsável pelo excepcional, “Amores Brutos” (mesmo
roteirista Guillermo Arriaga e o diretor Alejandro González), “21 Gramas” segue
um estilo parecido ao daquele filme ao narrar histórias paralelas que acabam se
entrecruzando em um momento-chave da trama.
O ritmo do filme é determinado pela edição, Alejandro e o diretor de fotografia
Rodrigo Prieto rodaram quase o filme inteiro com a câmera segurada na mão. As
cores são insaturadas, às vezes se aproximando de um quase preto e branco. O
realismo intransigente do filme, assim, intensifica-se e o espectador observa
um mundo transfigurado.
O diretor mexicano utilizou-se de câmeras “ocultas”, apresentando as
personagens numa estrutura fictícia esquemática, gerando no espectador um
estado quase meditativo. Desse modo, surge indagações que, em qualquer outro
filme, poderiam soar pomposas, mas que neste caso, soam inteiramente
pertinentes, tornando a atuação dos atores mais real, criando um clima denso ao
filme e conseguindo extrair nesta complexa trama, interpretações sólidas e
desprovidas de qualquer tipo de afetação pretensiosa, como por exemplo: Naomi
Watts que só vem comprovar seu talento; Benicio Del Toro que confere dignidade
a Jack Jordan, o que é fundamental para o que o espectador se envolva com seu
drama, já que, de outra maneira, a natureza ambígua do sujeito poderia torná-lo
antipático aos olhos do público e a Sean Penn, onde o ator se envolve em um
projeto que estuda difíceis relacionamentos familiares e a dor provocada pela
perda de alguém querido.
O filme avança e recua no tempo. Mas a estratégia não consiste em confundir o
espectador, e sim, em cativar seu processo mental de maneiras que uma narrativa
linear possivelmente não conseguiria inspirar. Pelo fato de estar tanto à
frente quanto atrás da narrativa, o espectador fica mais livre para especular e
contemplar a maneira como o destino atua e as vidas se interligam.
Alejandro Gonzáles “brinca” com a cronologia de suas histórias, obrigando o
espectador não apenas saltar de uma narrativa para outra, como também
deparar-se em momentos diferentes de cada trama e não fornecendo nenhuma pista
que nos ajude a decifrar sua estrutura, obrigando-nos a trabalhar às cegas. Com
isso, fatos que julgamos ter acontecido no “passado” podem se revelar, mais
tarde, como ocorrências futuras. É como se o filme nos convidasse a participar
de sua montagem. Por outro lado, o roteiro de “21 Gramas” acaba exagerando ao
revelar detalhes importantes com muita antecedência, o que elimina parte do
impacto que deveria surpreender o espectador no terceiro ato.
Conclusão: “21 Gramas” é um filme interessantíssimo, tanto pela força das
interpretações, já que o ótimo elenco se entrega sem reservas aos infelizes
humanos que habitam o filme, como pela sua estrutura narrativa brilhante e pela
temática penetrante tanto do ponto de vista emocional quanto intelectual.
III – CONTEXTO HISTÓRICO:
“21 Gramas” é um filme contemporâneo e traz uma série de temáticas
polêmicas: transplante, destino trágico, dor da perda, inseminação artificial,
religiosidade, maternidade, drogas, prisão, culpa etc
IV – SÍNTESE DO ENREDO:
Ao longo da projeção somos apresentados a três famílias: Paul Rivers
(Sean Penn), um professor de matemática em fase terminal de uma doença
cardíaca, e sua esposa, Mary (Charlotte Gainsbourg), que está determinada a
engravidar dele por meio de inseminação artificial; Cristina Peck (Naomi
Watts), que deixou uma vida de drogas e farras através do casamento estável com
um arquiteto (Danny Huston) e do nascimento de suas duas filhas e, Jack Jordan
(Benicio Del Toro), ex-presidiário e sua esposa, Marianne (Melissa Leo).
Vivendo em realidades completamente distintas, os três protagonistas
(Paul, Cristina e Jack) têm suas vidas alteradas depois que uma tragédia une
seus caminhos. Um acidente matando o marido de Cristina e suas duas filhas
desviam a trajetória de todas essas vidas, deixando os sobreviventes arcados
sob o peso de um sentimento de culpa avassalador. A vida continua, é o que lhes
dizem. Será que continua mesmo? Se sim, onde está á esperança de sobrevivência
para aqueles que sofrem, mas continuam a viver?
Alejandro Gonzáles rejeita as respostas fáceis e as caracterizações óbvias –
parece estar dizendo ao espectador que é ele mesmo quem deve decifrar as
respostas. E, não facilita as coisas, não julga suas personagens. Ele os mostra
como indivíduos confusos e contraditórios que lutam para enfrentar forças que
estão além de sua compreensão.
Será que Deus os traiu? Ou eles próprios se traíram? O que devemos aos mortos?
Onde vamos buscar esperança e redenção? Como ter uma vida boa? Por meio de
Deus? Ou, apesar de Deus? Vinte e um gramas seria o peso que a pessoa perde
quando morre, será esse o peso e a medida da alma humana?
A mortalidade é o problema com que todas as personagens se defrontam. Alguns
estão perto de morrer, outros estão próximos de pessoas que morreram há pouco.
Cristina é, sem dúvida, a personagem que percorre o maior arco dramático do
roteiro, já que, de mulher feliz e serena, transforma-se em um símbolo de
depressão e ódio até chegar ao estado emocional no qual se encontra ao fim da
história, seu desejo por vingança.
A personagem em um diálogo com seu pai, afirma que: “(…) sua vida nunca será a
mesma, sempre existirá uma lacuna, nunca suprida, e que ela não compreendia
como seu pai conseguia sorrir novamente após a morte de sua esposa.”
Paul é ameaçado, todos os dias, por uma morte suspensa, esperando que surja um
doador para o transplante de coração. Ele vive fragilizado perante a
mortalidade e a cobrança de sua esposa em ter um filho seu, representando a
continuidade do amor deles. Porém, esse amor por parte de Paul já não existe,
seu relacionamento é uma farsa e mesmo o milagre do transplante o faz reviver,
mas não revive o amor dos dois.
Apesar da dor de Paul parecer ter predominância física, o seu vácuo não é
menor. Ele quer saber tudo sobre o doador do novo coração que ele agora, leva
consigo, o que o leva a conhecer Cristina. Vem mais um paradoxo: Paul pode se
regozijar por sobreviver, mesmo que essa sobrevida seja um resultado de uma
tragédia sem volta?
Jack luta para reconstruir sua vida depois de passar um tempo indeterminado na
prisão. Lá encontrou Jesus, converteu-se e passou a viver com dignidade e
propósitos. No entanto, enfrenta o preconceito da sociedade. Jack enfrentará
muitas dificuldades para conseguir restabelecer-se, no entanto, sua esposa,
Marianne, às vezes sente saudades do Jack antigo.
Um acidente trágico colocará Jack à frente de novas provações de fé.
O diretor explorando a existência física e emocional dessas três personagens
durante um período de vários meses entrelaçará os seus destinos numa história
em que os levará aos limites do amor, às profundezas da vingança e à promessa
de redenção. Entretanto, para que o equilíbrio espiritual de alguns deles seja
recuperado, será necessário muito sacrifícios dos outros, intercalando-os com
uma dor incessante em suas trajetórias. Enfim, trágico, diga-se de passagem, é
um termo que se aplica aos três protagonistas de “21 Gramas”, já que, na
realidade, nenhum deles pode ser “culpado” pelo que aconteceu, nem mesmo Jack.
Jack, Paul e Cristina são apenas pessoas comuns que procuram encontrar algum
sentido para suas vidas, mas que, de alguma forma, parecem “marcadas” para
sofrer.
V – TEMÁTICA:
Alejandro Gonzáles trabalha o enigma da morte de maneira humanizada e
fotográfica.
A meditação sobre a morte é um ato universal e partilhado por todos os seres
humanos.
A metáfora contida no título traduz muito bem o objetivado pelo diretor no
decorrer da película: “diz-se que perdemos 21 gramas no momento exato da nossa
morte. O peso de uma pilha de moedas, de uma barra de chocolate, de um colibri.
Será ele o peso da vida ou o peso da alma?”
O contraste dessa medida ínfima é assustador comparando-se com a imensidão do
fardo que deixamos para os que ficam.
O filme é uma reflexão penetrante que todos estamos destinados. A sua visão da
morte é perturbadora e vai se tornando mais clara e nítida quando ela se
aproxima para a coleta das almas. É desconcertante a condução que o cineasta
nos leva: uma encruzilhada, onde vários caminhos se cruzam, mas não há uma
saída única e positiva – a única certeza é que, o ser humano perderá um dia, 21
gramas, talvez, o peso de sua alma.
O destino trágico:
Três vidas, três destinos que se cruzam e contemplam a morte de frente.
Jack após sua regeneração e aceitação de Jesus, como seu salvador e sentindo-se
protegido; é colocado á mais uma provação, levando-o a questionar a existência
de um Deus bondoso, afirmando: “O inferno está aqui!”
Jack exibe em tintas mais sociais o sistema prisional massivo, igrejas
frequentadas por perdedores de sonhos e uma imensa dor da alma.
Podemos constatar sua angústia espiritual, seu conflito íntimo e
existencialista ao testemunharmos seu intenso remorso com relação ao acidente.
Afinal, quem é esse Deus que nos mostra um caminho novo e depois, atira-nos de
volta ao inferno?
Cristina após uma vida desregrada também, regenera-se, através do amor e da
família, até o acidente colocar fim a todos os seus sonhos.
Paul é movido por uma culpa injustificada, já que sua participação no ocorrido
(acidente e transplante) foi a de um elemento passivo. Mas, é precisamente seu
esforço para corrigir algo que não pode ser reparado que o torna tão trágico.
O filme, enfim, retrata uma história de esperança e humanidade; de resistência
e sobrevivência e de dor que lança suas personagens a um destino trágico.
Liberdade versus Destino:
No curso da existência é que o homem vai decidir acerca de seu próprio
destino. O futuro está sempre em aberto, e ele será preenchido por um projeto,
que é fruto de uma escolha e de uma decisão. O homem é livre na exata medida em
que introduz o nada no mundo. E, como isso é inerente à condição humana, não há
como não ser livre. Daí a célebre frase: “o homem está condenado a ser livre.”
A obrigação de ser livre gera a angústia, que deriva do sentimento de não estar
predestinado, de ter de optar construindo ao mesmo tempo o fundamento da opção.
É excesso de poder sobre o homem que gera o medo.
Paul, Jack e Cristina fizeram suas escolhas livremente, optaram pelo caminho da
vida, da religião e da família; mas, seus destinos os surpreenderam, trazendo a
dor e a experiência de que a existência “não vale á pena”. Sentindo-se
fragilizados perante a força do destino e de Deus, as personagens tornam-se
incapazes de seguirem sua trajetória de vida, tornando-se niilistas perante a
existência humana.
O enredo do filme leva as personagens se colocarem frente a si e a seu destino
desnudado do aparato lógico. Elas não se vêem diante de um sistema de ideias e
ideologias, mas diante de fatos, mais precisamente de um fato fundamental que
nenhuma lógica pode explicar: o destino e a finitude humana.
VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Por volta de 1400,
o modo metafísico de pensar começa a ser seriamente questionado pela mesma
consciência racional que até então se dedicara a ele! Uma série de razões de
ordem econômica, política e cultural está à base desse questionamento. É que a
explicação metafísica tornara-se insatisfatória para a consciência filosófica
que vai emergindo no início da era moderna.
A realidade, a cultura ocidental, em decorrência de todo o desenvolvimento
econômico e social da Europa, coloca à disposição dos homens outros
instrumentos e recursos que lhes permitem ir além das conclusões metafísicas.
Tudo começa com a insatisfação de novos pensadores com as explicações trazidas
pela metafísica, a essa altura ainda compromissada com a teologia cristã!
Começa a se questionar a tutela que a teologia exercia sobre a filosofia e a
ideia de que a razão natural dos homens ficava na dependência da graça divina e
devia ser orientada e corrigida pela fé.
Já na Idade Moderna, quando o homem passa a ocupar o centro do universo,
achando-se então mais autônomo em relação a Deus, sentia-se menos temeroso em
relação ao mundo que passava a considerar como uma realidade meramente natural.
Essa “independência” em relação à figura de Deus tinha lá suas vantagens, mas
também suas desvantagens: de um lado, o homem passava a se valorizar mais, a
dominar a natureza e a enfrentar os seus problemas com mais objetividade e
menos fantasias, por exemplo, o desenvolvimento da técnica e da medicina
(transplante, aborto e inseminação artificial). Na cosmovisão cristã medieval
nem o mundo material nem o corpo humano podiam ser manipulados porque eles eram
considerados como receptáculos de Deus, merecendo assim absoluto respeito. As
desvantagens vinham no plano da própria consciência (a culpa pela morte das
duas meninas e do senhor). Iluminada pela fé, a razão medieval tinha muita
segurança e tranquilidade, pois estava certa de que poderia sempre conhecer a
verdade, uma vez que tinha sempre à sua disposição o auxílio esclarecedor da
revelação divina, mediada pelos textos bíblicos e pelo magistério da Igreja.
Além disso, o homem moderno descobre sua subjetividade. Enquanto o pensamento
antigo e medieval parte da realidade inquestionada do objeto e da capacidade do
homem de conhecer, surge na Idade Moderna a preocupação com a “consciência da
consciência”. O problema central é o problema do sujeito que conhece não mais
do objeto conhecido. Antes se perguntava: “Existe alguma coisa?”, “Isto que
existe, o que é?”. Agora o problema não é saber se as coisas são, mas se nós
podemos eventualmente conhecer qualquer coisa.
Outros temas apresentados no filme são: a dor e a doença; amor e perda e o ato
responsável.
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