sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Poesia Brasileira Contemporânea: conceitos e desconstruções Geraldo José Sant´Anna

Poesia Brasileira Contemporânea: conceitos e desconstruções
Geraldo José Sant´Anna

“Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa.”
(Ariano Suassuna)

            Contam-se as lendas que o Brasil não lê. Há quem questione o futuro de um país em que os leitores desaparecem qual poeira ao galope do tempo. O clamor se torna ainda mais desesperado quando nos detemos a observar, impávidos, o desenvolvimento de novas tecnologias. Notebooks, tablets, iphones, ipeds circulam dominantes pelas mãos de jovens e adultos. Fala-se cada vez mais em livros digitais. Anuncia-se a extinção do livro impresso. Perguntamo-nos, embora emudecidos pelas evidências, sobre o destino das imensas bibliotecas e os mecanismos que serão utilizados para sentir o livro, manuseá-lo, cheirá-lo, saborear aquela leitura, grifar e fazer anotações no rodapé.
            Por sua vez almejamos o renascimento de um Álvares de Azevedo, um Cruz e Souza, um Manoel Bandeira, quem sabe o retorno de Drummond?  Impacta em nós a certeza de um momento caótico para a cultura. Onde estão esses homens e mulheres, de sensibilidade extrema, cuja genialidade apreciamos, degustamos, recriamos nossos dias tingidos de sonhos, de deleite, de imaginação?
            Em meio a esse cenário, aparentemente inóspito, chama-nos à atenção algo improvável: a produção literária no país cresce assustadoramente. Seja no sistema de cooperativas ou apoiados por Academias Literárias (que também germinam com vitalidade), diversos autores – poetas e contistas – têm seus trabalhos publicados em antologias que circulam pelos diferentes Estados do país e abarcam leitores das mais diversas faixas etárias e níveis sociais.
            Se o Brasil não lê, estranhamente ele escreve; e são muitas as produções. O intuito aqui não é avaliar o teor literário dessas criações, mas ressaltar que elas se materializam a cada instante e livros são editados e distribuídos periodicamente. Essas considerações são válidas até mesmo porque quem conhece um pouco de literatura deve saber que muitos nomes reverenciados hoje somente foram reconhecidos após sua morte. Destaque se faz a Thoreau, Tolkien, Rimbaud, Emily Dickinson, entre outros nomes conhecidos, inclusive brasileiros como Lima Barreto e Oswald de Andrade.
            A questão que se faz emergente é, então, identificar os poetas vivos e seus trabalhos. Cada cidade tem pelo menos um poeta, um contista, um trovador...alguém que no enlevo de sua inspiração registra na primeira folha de papel que encontra os burburinhos de sua alma. Essas pessoas, com grandes possibilidades, não são escritores de destaque, não são veiculados pela mídia, não são procurados por editoras. No entanto, são relíquias literárias que se contentam com o fluir sereno de seus versos e, nem sempre, terão obras depositadas para consulta pública em uma biblioteca.
            As bibliotecas, por sua vez, tomaram outras dimensões. Estão nas nuvens. O mundo virtual trouxe possibilidades para que muitos poetas abrissem a gaveta de sua escrivaninha e lançassem seus escritos na internet. Sites, blogs e redes sociais passaram a dar visibilidade poética a uma série de pessoas, mesmo que o único objetivo fosse dar mobilidade às letras antes encarceradas na penumbra.
            Antologias, blogs e redes sociais passaram a (re)criar espaços. E como são muitos os leitores! Como são inúmeros os escritores brasileiros contemporâneos!
            Poderíamos citar centenas, mas nos deteremos a três que consideramos destacados, não apenas pelas técnicas e zelo pela língua portuguesa, mas também pelo estilo. Referenciam-se como poesias contemporâneas. E o que dizer disso? Trata-se de uma poesia em transformação, tem os pólens deste tempo. Não são odes, elegias, idílios ou epitalâmios. São devaneios, beijos adocicados em quem os lê, um torvelinho poético que se agita nas páginas do livro ou da internet.
           
            Por vezes olhar e não enxergar
A verdade que se esconde lá
Desejando que o reflexo fosse inverso
Mas a verdade lá está a te questionar
(Consciência – Flávia Assaife)

Flávia Assaife nasceu em Brasília. É formada em Administração de Empresas, pós-graduada em Gestão de Pessoas, Gestão de Negócios, Gestão do Varejo e Docência Superior. Atualmente reside no Rio de Janeiro, onde ministra aulas em cursos de graduação e pós-graduação. Flávia é autora dos livros “Ouço a Voz do Coração através de um Mergulho Interior”, “Sussurros da Alma”; “Os Viajantes da Lua” e "Segredos do Coração", dentre outros.
Em se tratando da importância do blog para a poesia, podemos citar o Trilha de Luz, desenvolvido por Jonas Sanches e acessado pelo endereço eletrônico (http://trilhasdeluz.blogspot.com.br/). Jonas está presente nas redes sociais e integra várias Academias Literárias. Citemos Cantiga do Vento:

E o vento misturou as letras
 fez versos reversos com a intuição,
e o vento assoviou poesia
cantando uma rima de satisfação.

            Falar sobre a poesia brasileira contemporânea é romper barreiras, estilos, paradigmas alicerçados pelo tempo. Os versos do poeta passeiam desenhados pela liberdade. Extraem do âmago a essência, das letras se traduzem novas formas de escrever.

como o sulco da caligrafia
chegando toda semana. como
o pulôver vermelho
que veste agora (não era
a volta para casa, um consolo, nem
a limusine negra veio buscá-la
de outro poema)

            Poema ”De Dentro da Caixa Verde”, de Marília Garcia.

            Em cada poesia o cheiro brasileiro de Flávia Assaife, Jonas Sanches e Marília Garcia. Contam-se as lendas que o Brasil não lê...talvez esse Brasil precise ser redescoberto, precise de um novo olhar, não simplesmente otimista de que alguém que quer acreditar em algo fantástico, mas o olhar de quem sabe que a literatura está florescendo e merece ser valorizada.

5 comentários:

  1. Amigo Geraldo San'Anna seu texto muito bem escrito expressa muitos dos meus anseios e questionamentos. Senti-me imensamente honrada em ser citada no mesmo pelo qual humildemente agradeço sua generosidade.
    Quiça bons textos possam sempre surgir e chegar as mãos de bons leitores. Um forte abraço.

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  2. José, teu artigo está excepcional. Ótima tematização bem fundamentada, com elementos de teoria e crítica literária. Parabéns pela escolha dos autores referenciados e por destacar tão belo fragmento da obra de Flávia Assaife. Tenho orgulho de partilhar contigo espaços na ANLPPB e na ALPAS 21. Um lírico abraço. Rozelia Scheifler Rasia - gaya.rasia@hotmail.com

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  3. Muito bem articulado o tema proposto, os exemplos dos poetas vivos e o marcante desejo de serem lidos. Genial a percepção: É um paradoxo, sem dúvida, na era da digitalização, do livro digital, tanta facilidade em se publicar livros e tantos poetas desenhando aldeias literárias. O que mais aprecio é a volta dos Saraus, do túnel do tempo para a modernidade da rotina, nas escolas, ruas, orlas, jardins, praças...

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  4. Realmente fico lisonjeado pela citação de meu nome nesse texto sem precedentes... Sou apenas um poeta, nesse momento um lisonjeado poeta, mas sou humano e essa condição é o que me coloca em meu simples lugar, não sou mais que alguém nem menos que ninguém... Sou simplesmente um ser profundamente agradecido pelo reconhecimento de meu trabalho... Muito obrigado!

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  5. Parabéns! Muito agradável e esclarecedora a sua pesquisa. Trabalhou bem a sua idéia, passando um panorama interessante, que nos leva a querer saber mais, ler mais, pesquisar sempre.

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